XLAs: o fim dos SLAs ou só mais uma hype?

Mais do que nunca, as organizações entendem a importância da transformação digital para alcançar resultados de negócios mais significativos. 

Isso levou a um aumento na demanda por serviços que simplificam a entrega de TI e dão suporte à flexibilidade da força de trabalho, aproveitando a infraestrutura em nuvem, aplicativos SaaS, compartilhamento de arquivos, suporte de TI 24 horas por dia, 7 dias por semana, etc.

Embora a demanda por serviços de TI tenha crescido, o panorama dos fornecedores também cresceu. Para prosperar em um mercado cada vez mais comoditizado, os provedores de serviços gerenciados no local de trabalho devem modernizar sua visão do que significa entregar valor ao cliente. 

Dado esse cenário, surgem discussões de que chegou a hora de aposentar os tradicionais SLAs (que se tornaram uma expectativa, não um diferencial) para os acordos de nível de experiência (XLAs). 

A ideia é que, ao fazer essa mudança, os provedores poderão alinhar suas ofertas para melhor apoiar os resultados de negócios dos clientes, provar o valor de seus serviços e aumentar a lucratividade.

Mas será que o conceito do XLA é algo realmente transformador, a ponto de decretar o fim dos SLAs? 

Ou talvez seja apenas uma evolução natural dos SLAs? 

Ou ainda, será que é só uma hype, uma releitura do que sempre foi defendido pelas práticas de gerenciamento de serviços, como o ITIL? 

 

Um pouco de contexto…

Noite de sexta-feira. Ótimo dia para pedir uma pizza. 

Dá-lhe um aplicativo de entrega. 

Meia mussarela, meia calabresa. Basicão com poucas chances de dar errado.

Valor do pedido semelhante ao aplicado nas outras pizzarias do bairro, debitado do cartão de crédito. 

Previsão de entrega: 1 hora. 

O entregador chega com o pedido dentro do tempo esperado. 

Ao abrir a embalagem, a surpresa: 

  • a metade de mussarela estava com a maior parte do queijo na borda da pizza, deslocamento provavelmente causado pela direção “arrojada” do entregador;
  • a metade de calabresa tinha mais cebola do que carne;
  • a massa estava mal assada e pareceu ter ficado pouco tempo no forno;
  • e com tudo isso, o sabor estava desagradável!

Embora a pizzaria tenha entregado exatamente o que foi pedido, dentro do prazo e do custo esperados, foi uma péssima experiência.

A provocação aqui é a seguinte: Estamos olhando para a experiência do cliente nos Serviços de TI?

 

SLA Melancia e a Experiência do Cliente

A história contada acima nos ajuda a pensar sobre como os provedores de serviço estão mais preocupados em atender aos acordos de serviço estabelecidos com as partes interessadas, tendo em conta que os indicadores que serão apresentados nas revisões de serviço estão todos “verdes”, ou seja, dentro dos SLAs. A pizzaria entregou todos os elementos acordados dentro do prazo e do custo. 

Entretanto, é comum termos usuários/clientes insatisfeitos porque suas requisições não foram atendidas corretamente e muitas delas continuam em aberto apesar do ticket aberto no sistema de ITSM estar fechado. Esses pedidos estão todos em “vermelho”, fora dos SLAs.

Quando temos requisições do cliente que são consideradas atendidas (ou verdes) mas que na realidade não foram concluídas de fato (ou vermelhas), chamamos de SLA Melancia: verdes por fora, mas olhando bem, vermelhas por dentro.

Os pedidos com SLA Melancia estão diretamente relacionados com a Experiência do Cliente em relação ao atendimento do seu pedido. Clientes insatisfeitos que tenham seus pedidos feitos dentro dos acordos de serviço tendem a discordar do sucesso do atendimento. Isso acontece porque:

  • eles não foram ouvidos – o prestador de serviços atende ao pedido sem se preocupar com o que os clientes realmente desejam;
  • não houve comunicação ou a comunicação foi inadequada – sem o diálogo adequado entre consumidor e prestador de serviços, não há como ter clientes satisfeitos;
  • eles não foram questionados – os clientes não foram questionados se o seu pedido foi atendido. É comum ter solicitações encerradas com justificativas técnicas mas sem a confirmação dos clientes sobre a sua dificuldade.

É razoável que esses tickets com SLA Melancia sejam revisitados para que a experiência do cliente seja validado e que o relacionamento com ele seja fortalecido.

Experiências ruins alteram a percepção de Valor dos clientes em relação ao Serviço entregue a eles. Promover boas experiências, dentro do escopo e dos acordos, é uma oportunidade de Melhoria.

XLA – Experience Level Agreement

Para garantir que o cliente tenha sua expectativa de experiência de serviço atendida, foi sugerida a adoção de um novo acordo entre o provedor e o consumidor de serviços: o XLA – Experience Level Agreement (ou Acordo de Nível de Experiência).

De acordo com o site ITSM Academy, XLA é um acordo que estabelece um compromisso em criar uma experiência definida, suportada por dados empíricos usados para desenhar, entregar e melhorar serviços e produtos centralizados em pessoas.

O tradicional SLA foi criado para medir se as saídas das atividades de um serviço foram realizadas dentro do tempo e escopo acordados. O XLA sugere que os resultados sejam medidos para que obtenham indicadores de sucesso relacionados à experiência do cliente ao ser atendido pelo provedor de serviços.

A HappySignals, em seu Guia Prático para os XLAs, faz uma comparação entre o que é medido no SLA e no XLA:

SLA XLA
Mede as saídas da TI Mede o resultado da TI
Mede os processos Mede o valor agregado e a produtividade dos serviços
SLA foca nos objetivos de alto nível, que podem ser facilmente atingidos. Entretanto, não pintam uma imagem detalhada do que realmente está acontecendo com a TI Foca diretamente nas experiências e necessidades dos usuários 
SLAs mostram se TI está entregando projetos com o tempo e orçamento corretos – ignorando o verdadeiro sucesso dos projetos XLAs trazem valor ao negócio e aumentam a produtividade dos usuários
Foco nas sanções Foco nas recompensas
Medição é sempre igual Níveis de medição mudam constantemente

Apesar da aplicação desse acordo parecer com o estabelecimento de níveis de serviço, o XLA precisa de obter dados subjetivos de satisfação dos usuários, que podem variar bastante dependendo dos grupos que estão sendo avaliados e, também, do estado emocional de cada indivíduo. Isso torna bem difícil a tarefa de estabelecer um novo acordo com as partes interessadas, já que os provedores de serviço já tem outro grande desafio de manter os níveis de serviço já acordados.

Será que realmente precisamos ter mais um acordo estabelecido com os clientes? 

Como fazer para proporcionar uma experiência que atenda aos níveis de serviço e às expectativas dos clientes?

O que está na ITIL?

Segundo Mark Smalley, um dos autores líderes da ITIL, em seu artigo “Elevating the IT service experience” publicado pela AXELOS em 30 de Novembro de 2020, “(…) a experiência pode ser vista como a base para a próxima economia (seguindo a economia de serviços). As experiências sempre foram derivadas de produtos e serviços, assim como os produtos sempre são fornecidos com algum tipo de serviço. No entanto, os consumidores se acostumam com o que têm e, portanto, desenvolvem expectativas cada vez maiores sobre as experiências que esperam receber. Melhores experiências atendem a essas expectativas”.

Em outras palavras, o serviço de TI deve ser uma combinação da utilidade, garantia e da experiência que importa. Para conseguir isso, a experiência deve ser parte da anatomia de um serviço.

A Experiência é parte da Anatomia de um serviço

Smalley aponta os seguintes componentes como parte da anatomia de um serviço:

Co-criação

Se um serviço for desenvolvido desde o início com o objetivo de promover benefícios para o consumidor de serviços, ele vai responder positivamente ao provedor. Isso está muito além de uma simples oferta de serviços com equipamentos, softwares, licenças de acesso e etc, mas como fazer uso deles para seu cliente ser bem sucedido em seu trabalho e em seu negócio (com o suporte apropriado do provedor de serviços).

Recursos

Segundo Smalley, “recursos são geralmente: pessoas (seu conhecimento e competências), artefatos físicos, algoritmos, informações, goodwill* e capital”. A forma com que esses recursos interagem entre o consumidor e o provedor de serviços pode influenciar na percepção de valor co-criado entre eles. Uma boa interação vai produzir uma boa experiência e, assim, valor para ambos.

Saídas, Experiências e Resultados

As mudanças nos recursos podem ser consideradas saídas das interações. O resultado é como essas mudanças afetam quaisquer objetivos que as partes desejam atingir com o serviço. Por exemplo, receita, goodwill e recursos aprimorados ajudam os provedores a alcançar lucratividade sustentável.

Os resultados desejados costumam ser coisas como aumento de capital, goodwill ou capacidades estratégicas. O sujeito envolvido na interação do serviço passa por uma experiência, que também é afetada pelo resultado. Finalmente, fechando o círculo, a experiência afeta como as pessoas participam das interações de serviço.

Segundo Smalley, “em resumo, um serviço é uma interação entre um provedor e um consumidor que configuram e aplicam seus respectivos recursos para benefício mútuo. A interação resulta em recursos modificados (saídas), incluindo mudanças no estado emocional dos envolvidos (experiências), que consequentemente afetam seus objetivos desejados (resultados).”

Elevando a experiência nos serviços de TI

A qualidade das interações humanas depende fortemente de como as pessoas se sentem durante e depois de cada interação. Isso se aplica também na experiência do consumidor enquanto usa (ou vivencia) o serviço: se ele foi bem suportado e teve sua demanda atendida, sua emoção em relação à experiência tenderá a ser positiva, levando a um resultado positivo na entrega do serviço (produzindo valor). A relação contrária também produz um resultado contrário: nada pior do que ser mal suportado e, mesmo que sua demanda tenha sido atendida, o serviço não terá resultado positivo (afetando a percepção de valor). 

O mesmo se aplica aos colaboradores das organizações: empregados engajados emocionalmente são mais produtivos, saudáveis, leais e mais inclinados a promover a organização. A experiência do colaborador está fortemente relacionada com a performance da organização.

O segredo para elevar a experiência nos serviços de TI é usar a empatia, se colocando no lugar do outro, para entender como ele/ela se sente em relação a uma experiência específica.

1. Empatia Cognitiva e Afetiva

Segundo Smalley, “(…) Empatia Cognitiva é geralmente uma avaliação racional das necessidades do consumidor, seguida de uma combinação de informações, opções, sugestões e ações para atender a essas necessidades.”

Smalley também aponta que a Empatia Afetiva “(…) foca nas emoções e nos sentimentos, mas o desafio é que eles só podem ser aferidos ao se observar o comportamento do indivíduo”.

Outros tópicos relacionados são a simpatia e a compaixão, que também são reações ao desconforto dos outros. A simpatia acontece quando se reconhece que alguém está sofrendo e a compaixão acontece quando se tem um desejo de se aliviar o sofrimento do outro. 

A empatia é o link fundamental que vai ajudar a reconhecer o sofrimento (simpatia) e ativamente se deseja aliviar esse sofrimento (compaixão). Os agentes de serviço só estão dispostos a ajudar o cliente quando o gatilho da empatia é disparado.

2. Necessidades Empáticas são diferentes

Cada um tem a sua própria maneira de ser empático e, por isso, têm necessidades empáticas diferentes. Pessoas introvertidas podem ter necessidades específicas que as pessoas extrovertidas não possuem, e vice-versa. Um relacionamento com um provedor de serviço pode ser difícil para um cliente no início do relacionamento, mas, com o tempo, as interações humanas, a confiança e as boas experiências podem contribuir para que provedor e consumidor entendam as necessidades empáticas um do outro.

3. Empatia de Co-criação

As interações de serviço são co-criacionais; o sucesso da interação é, portanto, um esforço conjunto. O consumidor pode influenciar o desempenho do provedor ao valorizar o tempo e o esforço despendido para resolver um problema ou ao dizer que entende a pressão para lidar com outros consumidores. Essas expressões de empatia promovem interações colaborativas e produtivas e também beneficiam o relacionamento de longo prazo.

Conclusão

Quando se co-cria um serviço, os fluxos de valor, processos, atividades, acordos, requisitos e outros itens importantes são estabelecidos considerando apenas as saídas produzidas pelos indicadores em comparação com métricas de utilidade e garantia, mas elas não servem para medir valores intangíveis como satisfação e experiências (positivas ou negativas).

Iniciativas como o estabelecimento de um XLA são apenas boas intenções mas podem fazer com que um novo componente de atrito seja adicionado a um serviço que não esteja entregando o valor esperado, simplesmente porque não se pode definir uma métrica para aferir percepções emocionais dos consumidores e dos colaboradores.

A ITIL nos ajuda a olhar para a experiência do cliente quando a incluímos como parte da anatomia do serviço e entendemos quais são as necessidades empáticas que devem ser atingidas, incentivando os agentes de serviço a se colocarem no lugar dos consumidores e entender as razões de sua insatisfação e oferecer alternativas para que a experiência do cliente seja a melhor possível, segundo sua percepção emocional da jornada do serviço.

A melhor maneira de melhorar a experiência do cliente é se relacionar com ele, escutá-lo, discutir os bons e maus aspectos do serviço, identificar ações de melhoria e agir para que elas se tornem realidade. 

Ao invés de discutir sobre as melancias estarem mais verdes ou mais vermelhas, que tal perguntar se o sabor dela está agradável e como tornar esse sabor ainda mais delicioso?

Compartilhe:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Abrir bate-papo
Olá,
Como podemos te ajudar?